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O Dragão da Boca Maldita
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RESENHA

Por Lauro Junkes
Doutor em Teoria da Literatura (PUCRS)
Professor Titular da UFSC, tendo atuado no Curso de Letras e no Programa de Pós-Graduação em Literatura, até 2010, quando do seu falecimento.

Essa novela tem como personagens centrais o menino Quinho e a região da Boca Maldita, na parte central de Curitiba. Ela inicia sem preâmbulos generalizantes, mas em plena ação, retratando um vendaval, como que “uma experiência diabólica” que tudo transtorna, fazendo desaparecer o menino Quinho, “envolvido por aquele monstro”. Depois, sem explicitar a analepse, o autor caracteriza o menino pobre vindo com os pais de Antonina para Curitiba, “à procura de melhor vida”, no sonho da grande cidade, sono que logo se desfez, restando a sobrevivência em barraco de favela. Quinho, que logo se tornou bom de bola e ágil no roubo de coca-cola do caminhão de entrega, até ser apanhado quando “Quinho só tinha a ele e as dores das bordoadas”.

Como que estonteado, sem nada entender, o menino vê-se envolvido em uma festa de mascarados, quando “se deu o acontecimento que até hoje ninguém entende”, ou seja, “Quinho desapareceu naquele dia terrível”. Quando ele dá por si, encontra-se na Boca Maldita, intimidado pelo Dragão, refugiando-se em um abrigo. Tomado por estupefação, sem coordenação lógica, Quinho encontra-se na estranheza da cidade, vê um trem, mas “o trem não tinha continuação nem começo. Era só o trem...”, que depois é “bondinho”, sucedendo-se alucinante perspectiva: “aquilo era o centro do mundo. O mundo começava ali”.

Inicia-se assim a magia, por vezes dura e cruel, da iniciação à vida, do rito de passagem que interfunde o imaginário com a rudeza da realidade. Atirando sob o domínio do “dragão vigilante”, pressionado e embaraçado, Quinho “começa a aprender as leis da Boca Maldita”, embora aos sábados e domingos também vivencie todo um mundo novo entre os frequentadores do lugar, sobretudo o papo sobre futebol. No contexto que pesa, Quinho não apenas vive de biscates, mas vê-se envolvido na entrega de maconha, luta ferozmente com um cachorro para manter seu osso desnudo.

Após período de solidão, para a envolver-se com meninos do mesmo destino, sobretudo quando assume valorosamente a defesa de outro menino que a polícia pretendia levar preso. Inicia-se então “guerra entre os garotos e a polícia, ocorrendo agressões ao terrível Boca Talhada. Quinho, por não ser covarde nem mesquinho, conhece o confronto drástico com a autoridade policial, experimentando o confinamento na terrível Colônia. Mas, com lá “era fácil entender que facilitavam a fuga”, pois “não havia condições para mantê-los” (eterno problema do confinamento de maiores e menores no Brasil!), Quinho foge e retorna à boca. Entre difíceis reacomodações, sente que “fecharam-se as portas do mundo...” e, pior, “Quinho percebeu que sua vida não tinha significado”. A aprendizagem sempre cobra seu pagamento, o rito de passagem exige seus sacrifícios, e Quinho foge de perseguições e até se vê soterrado por deslizamento de terras em pleno centro da cidade. Perdidas as esperanças de resgate, após dias, afinal... “milagre!”, recupera-se o corpo com vida.

Entretanto, o que esperar de melhor? Recuperado, com tratamento e alimentação, Quinha retorna à Boca, refaz amigos e resolvem todos festejar o carnaval. E nesse fervilhar de gente e alegria, “viu no fundo dos olhos uma figura avançando contra. Podia ser o Boca Talhada”. Feito guerreiro a confrontar-se com o dragão da maldade, “a luta era de gigantes”, estendendo-se por horas, até que o mascarado “deu o último golpe no dragão vermelho”, levando por sua vez “uma ferroada na altura da coxa”. Assim, quando “já apareciam os indícios do novo mundo a começar na quarta-feira de cinzas”, o mascarado rolou na sarjeta e o dragão saiu e morreu. Então, “o sol veio, jogou o primeiro raio, aguardou o moço acordar descansado”.

  O realismo mágico do vendaval que envolve o desaparecimento do menino se encontra bem relacionado com toda a ambiência estonteandte da festa de mascarados e da festa de carnaval, envolvendo o menino, feito ambíguo joguete entre o idílio da infância e as exigências realistas do seu amadurecimento. A simbologia do carnaval, do dragão, da luta, perpassando toda a narrativa, intensifica-se, ao final, com o soterramento e o resgate do buraco, o novo mundo da quarta-feira de cinzas, o raio de sol e o “moço acordar descansado”. Passada a dura prova, o menino já se metamorfoseou em moço, desaparecendo o dragão e projetando-se um novo mundo. Quinho já não é mais o mesmo, como também a Boca Maldita se re-estruturou, por mútua interação. Entre o passado, com boas e más recordações, e o amargo amadurecimento, na luta pela vida, entre amigos e confrontos policiais, forja-se o novo ser, não um produto espontâneo de alienantes fantasias, mas o resultado de lutas e privações. A miragem da cidade fácil se desfez no duro impacto das privações. O sonho de uma infância edênica se diluiu no pesadelo da conquista de um lugar ao sol. Os anjos da guarda se substituíram por terrível Dragão, Boca Talhada e outros fantasmas nada irreais. Enfim, permeada de lances e desilusões, de lutas e denúncias, de privações e arremetidas, a novela O Dragão da Boca Maldita faz jus a subsequentes edições, porque não desvia o menino-adolescente dos caminhos da realidade vivida.

JUNKES, Terezinha Kuhn (Org.). A literatura infantojuvenil catarinense na perspectiva de Lauro Junkes. Florianópolis: Copiart, 2012. p. 240-243.


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