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Espantosa História de Ruffus
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RESENHA

por Ana Maria Alves de Souza
Mestre em Antropologia (UFSC 2003)
Mestre em Literatura (UFSC 2011)
2012

Espantosa História de Ruffus é uma biografia poética na qual Klamt conta a história de Ruffus, um menino que vendia laranjas e tinha o hábito de sempre esvaziar os pneus da própria bicicleta, para enchê-los de novo, procurando renovar constantemente o ar, “que vento velho dentro dos pneus faz mal à bicicleta”. A partir dessa atitude um tanto nonsense, Klamt começa a descrever gostos e atitudes do menino, que nunca perdia o assombro diante do mundo. As cores se misturam às descrições: Ruffus tem preguiça alaranjada, cabelo vermelho, coração verde etc.

O texto é apresentado em estrofes irregulares, ora de 9 linhas, ou 5, ora de 3, ou 2, ou ainda uma apenas. Entre os personagens vemos a mãe aparecer nos retratos antigos, também em lágrimas, ou no silêncio, ora no bilhete. O pai tem nos olhos um estilingue. Nas atividades de Ruffus, Klamt o coloca como escultor imaginário, utilizando “formão de esculpir sonhos”.

O monge João Maria aparece inusitadamente para falar ao menino coisas “do princípio”, que só podem ser ditas poeticamente. O avô é um personagem que aparece longamente, com seu violino e a chave do invisível, esquecendo-se de ficar velho. Maria, a avó, tem uma aparição discreta, mas decisiva, pois vai embora, sem planos de voltar, motivo pelo qual o avô encolheu todo. No final da história, Ruffus já está duas vezes maior que o avô, abandonando de ser menino.

A morte aparece sutilmente no entoar poético da história; é que o menino, sendo iniciado em árvore, tem alma de cedro rosa, servindo de repouso de alma penada. Elementos da natureza são descritos nos versos, como a flor, o pau podre, o lodo, o lambari, o João-de-barro, o besouro, o rio, a árvore, o sapo, o sol, a tempestade etc.

Telma Scherer (2012), comentando o livro, não ressalta a questão biográfica, mas inscreve-o numa tradição poética; aponta que Espantosa História de Ruffus é escrita no mesmo estilo de prosa poética de Manoel de Barros. Destacando a dificuldade de compreensão de grande parte da poesia contemporânea pelo trabalhador comum, pelo usuário de transporte coletivo, o estudante de escola pública, Telma Scherer alude diferencial à simplicidade poética da história de Ruffus. Ao comparar a obra a imagens poéticas de Manuel Bandeira/e Manuel de Barros, refere-se à ternura que contém esse texto, tão difícil de ser encontrada na contemporaneidade. 

A comentarista, ainda, discorda da classificação do livro como literatura infantil, pois acredita que ele deve ser lido como uma poesia própria para qualquer idade, apontando a comunicabilidade essencial e o poder de sedução do texto. 

Telma Scherer afirma que é impossível desvendar o mistério dos jogos imagéticos ali contidos, pois 

Klamt constrói em seu poema uma teia de relações, embaralhando conceitos como os de tempo e memória, magia e ontologia, gênero e parentesco, brincando com as diferentes funções da linguagem. Sem pedantismos e obscurantismos, sem utilizar palavras difíceis e construções exóticas, mas proporcionando uma vasta gama de níveis interpretativos, Klamt consegue seduzir o leitor para a fruição da poesia. (SCHERER, 2012)

Para Scherer, Espantosa História de Ruffus vem preencher uma lacuna na produção poética contemporânea.

As ilustrações de Fernando Lindote, para a história, poetizam plasticamente, acompanhando a biografia. Com uma linha minimalista e cores fortes do projeto gráfico de Vanessa Schultz, as ilustrações podem ser lidas como pequenos biografemas, a compor a narrativa, ora sendo uma concretude literal, ora tomando vida e extrapolando o sentido.

Rui de Oliveira (2008) comenta as características descritivas e narrativas presentes em cada ilustração para o público infantil. Lindote sem dúvida narra uma história, mas nem sempre a descreve, às vezes dá-se ao luxo de escolher suas próprias imagens para ali compor, monologando com o texto, conforme comenta Gizelle Kaminski Corso (2012) na resenha que escreve para os leitores da biblioteca Barca dos Livros. Para essa autora as ilustrações de Lindote marcam uma presença-ausência, rabiscadas sutilmente. Espantosa História de Ruffus ganhou o prêmio Elizabete Anderli, pela Fundação Catarinense de Cultura.


Referências

CORSO, Gizelle Kaminski. Resenha de Espantosa História de Ruffus. Núcleo de Estudos e Pesquisas da Barca dos Livros. Disponível em: http://nepbarcadoslivros.wordpress.com/author/gizellekaminskicorso/, acessado em 29 de abril de 2012.

KLAMT, Valdemir. Espantosa História de Ruffus. Florianópolis: Nauemblu/Lábias, 2010.

SCHERER, Telma. A Reinvenção da Ternura. Disponível em: http://www.germinaliteratura.com.br/2010/livros_reinvencaodaternura_por_telmascherer.htm , acessado em 29 de abril de 2012.

OLIVEIRA, Rui. In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil – com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008. p.35.


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