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As maravilhosas invenções do seu Mané
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RESENHA

Por: Rosilene F. Koscianski da Silveira
Doutoranda PPGE-UFSC
Bolsista do Programa de Apoio a Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior – FUMDES
2012

O livro As maravilhosas invenções do seu Mané (1986), publicado na série Pé-de-Moleque, pela editora Mercado Aberto (1986) e pela Caramelo (2002), conta a história de um povoado no qual viviam sapateiros, marceneiros, açougueiros, padeiros, alfaiates, costureiras e muitos outros trabalhadores, com seus filhos príncipes e suas filhas princesas, uma vidinha nada complicada.

Nesse lugarejo “o padre rezava a missa e fazia sermão, aconselhando o povo a fazer somente o bem [...]” (p.7) para não ir direto para as profundezas do inferno, lá onde o “Judas perdeu as botas” (idem). Tudo estava muito tranquilo até seus habitantes serem surpreendidos com a chegada de um novo morador que vinha de longe, trazendo toda sua família. Seu Mané, cheio de novidades, chegava ao vilarejo. Ele não vinha de carroça, nem com carro de boi. Trazia toda sua família dentro de um monstro enorme e esquisito que berrava pelas quebradas da serra. Parecia um dragão. Mais tarde, o povo ficou sabendo: o tal bicho chamava-se caminhão, coisa que até então ninguém conhecia, nunca sequer tinha ouvido falar.

Naquele reino, o rei e a rainha não eram muito felizes. Ali faltavam muitas coisas. Entretanto, o povo nem sabia disso. Também ninguém sabia muita coisa naquele lugar. O que era hora? Minuto? O tempo simplesmente andava, sem ser marcado e, aí chegava a hora, ou melhor, chegava o momento de fazer nascer uma criança. Isso era assunto para Dona Mosa. Vinha chamado de todo lado para fazer parto. Assunto que fazia as crianças ficarem curiosas e os adultos pensativos. A menininha não entendia por que era preciso fazer parto para o nenê nascer. O papai explicava certinho: “Ele ta ali grudadinho e não quer se desgrudar. Nem nascer ele quer. É a mãe que empurra o filhinho para fora. Ele acha muito bom ficar lá dentro da mãe e por isso não quer sair”. (p.12) Seu Silvestre sabia que “quem parte leva saudade; e quem chega não tem saudade nenhuma”(p.12), mas então por que as crianças chegavam ao mundo numa choradeira danada?

Dona Mosa foi de caminhão fazer aquele parto. A bordo daquele bicho brabo voltou tarde da noite. Ninguém mais se assustou tanto. Mas, os cachorros latiram bastante. Os gatos se esconderam e o papagaio gritava bem alto: Caminhão! Caminhão! Caminhão! No dia seguinte, quando seu Mané tirou a lona do caminhão, começaram a surgir muitas outras novidades. Primeiro desceu uma caixa de abelha – sem abelha. Uma caixa que falava e até cantava. Seu Mané explicou: – o nome dessa caixa é rádio. Todos puderam ouvir quando a caixa falou: “Um brasileiro tinha inventado o avião”. Mas, nenhum habitante desse reino sabia o que era um avião. Seu Mané também explicou que avião era uma ave grande, capaz de levar muita gente de um lado pro outro, e mais rápido que o caminhão. Ninguém acreditava nele. 

O povo ouviu a caixa, que falava e cantava, contar uma história triste: “o presidente da república se suicidou, deu um tiro no próprio peito, morreu.” (p.17) Porém, naquele reino desencantado onde havia rei, rainha, príncipes e princesas, notícias de presidente não faziam muito sentido. Seu Mané procurou música na caixa, não encontrou. Só encontrava notícias tristes, fechou a caixa. Todos foram dormir. 

Noutro dia, todos estavam curiosos pelas novidades do Seu Mané. Ele trouxe um caixão enorme que abria a porta, acendia uma luzinha e fazia uma mágica: com aquele calor que fazia, a água que saía de dentro dessa caixa era muito mais fresquinha que a água da fonte! Todos beberam com gosto. Trouxe também “uma caixa comprida e estreita, com uma frigideira cheia de números e duas flechas fincadas no meio. [...] E embora a gente não notasse, as flechas iam mudando de posição, disfarçadas, pegando o pessoal desatento” (p.23) – era um re-ló-gio, ele explicou martelando e partindo a palavra em pedaços. Chegaram ainda outras novidades: uma rodela preta cheia de furinhos e com um furão no centro que rodeava e cantava músicas que era uma lindeza; uma máquina de fazer sombras. Além das coisas que trouxe no seu caminhão, Seu Mané acrescentava outras invenções, e assim, o povo foi se acostumando com as novidades daquele homem. O povoado já não era mais o mesmo, o povo também não.

Com essa narrativa, Deonísio da Silva nos leva a perceber a ingenuidade e o deslumbramento quando se vê algo pela primeira vez. Faz do seu Mané mais do que um narrador benjaminiano (BENJAMIN, 1994), que vem de longe trazendo novidades, e, cujo contexto narrativo se mostra muito favorável. Mesmo não assumindo, todo mundo quer ver o que o forasteiro tem a mostrar. Com ele o mundo parece acordar, vai descobrindo sons, sonhos, cantos, músicas... Seu Mané traz as coisas novas e não apenas o relato de sua experiência com elas. Transforma-se em redentor admirável, que mostra a tecnologia a serviço do homem. No final do livro, o escritor ainda nos surpreende com um memorável desfecho bíblico. O homem leva as novidades àquele povo que quase nada conhece das coisas que já foram criadas. É capaz de fazer acender luzes, como se fossem pequenos sóis criando-se ali, entre aquele povo tão desconfiado de tudo e, nada mais tendo a mostrar, descansa no sétimo dia.


Referências

SILVA, Deonísio da. As maravilhosas invenções do seu Mané. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.

BENJAMIM, Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: 

_______. Obras Escolhidas I – Magia e Técnica. Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 197-221.

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