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As Matrioskas
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RESENHA

Por Rosilene de Fátima Koscianski da Silveira
Doutora em Educação – PPGE/ UFSC
2020

As Matrioskas, escrito pela criciumense Cristiane Dias, foi publicado em 2020, pela Editora da Universidade Federal do Espírito Santo (EDUFES). O livro foi o vencedor na modalidade “Literatura Juvenil” do 4° Prêmio UFES de Literatura, promovido por esta universidade, e que se propõe, também por meio do concurso, impulsionar a criação literária em diferentes categorias e democratizá-la propiciando oportunidades de participação para autores de todas as idades, iniciantes e/ou veteranos.

As matrioskas tem formato retangular que mede 20 x 23 cm. A capa foi impressa em papel supremo e o miolo em papel couché. A primeira orelha apresenta as seis comissões julgadoras do concurso nas modalidades: Contos e Crônicas, Dramaturgia, Literatura Infantil, Literatura Juvenil, Poesia e Romance. A segunda orelha traz a foto da autora e uma breve biografia. 

Este livro é materialmente composto de 154 páginas e possui vários paratextos. Refiro-me as páginas destinadas a apresentar os títulos, autores premiados, as comissões avaliadoras da 4ª edição do concurso, nas diferentes categorias e dois textos que antecedem a narrativa. O primeiro intitula-se “Literatura e universidade” escrito pelo Reitor, Reinado Centoducatte que inicia destacando a força inventiva da criação literária mobilizada pela sensibilidade, pelo conhecimento, pelas técnicas e vivências do autor. O segundo, intitulado “Literatura e resistência”, de Wilbert Salgueiro, aponta, entre outras questões, o fato de que ler e escrever literatura é gesto de resistência no mundo cada vez mais veloz que vivemos, pois esse movimento pede uma dedicação ao livro que poucos estão dispostos a oferecer.

A capa do livro, de Willi Piske Jr., busca um equilíbrio entre ausência de luz, o obscuro, e a tonalidade das cores que vestem as matrioskas enfileiradas, com destaque para o verde e o vermelho. A primeira matrioska aparece em cores nítidas e tamanho maior projetando na imagem decrescente a principal característica deste brinquedo artesanal, tradicional da Rússia, conhecido também como “boneca russa”. Uma das principais características das matrioskas é não ser nem estar só. Elas reúnem uma série de bonecas, entre seis e sete por norma, iguais na forma e diferentes no tamanho, acolhendo dentro de si a boneca imediatamente menor, simbolizando o parto entre mãe e filha, entre a filha e a filha da filha e assim sucessivamente.

A narrativa é antecedida pela imagem em preto e branco de uma grande matrioska que ocupa a maior da página 15. Grande em relação a imagem e sombra de uma pequena pessoa que a observa de costas para a luz. Qual é o enigma que a imagem insinua? Por certo, tem muito a ver com a narrativa e com o contexto de suas personagens. A autora nos confidencia que trouxe para a história o significado de matrioska presente no senso comum, “o que as pessoas pensam quando veem uma matrioska: uma boneca com outra dentro, e outra, e assim por diante. Esta é a premissa do livro: personagens que vão se revelando em camadas. ” (DIAS, 2020a, [s. p.]

A escolha do título do livro, em diálogo com a simbologia da capa, nos aponta um duplo significado: ternura e mistério. É uma obra de ficção, inscrita na categoria juvenil que deixa entrever o desejo de dialogar com o leitor jovem e compreender seus dramas e, talvez um pouco mais do que isso, quer cuidar de seus sonhos, protegê-lo na chegada à vida adulta e ajudá-lo a encontrar caminhos seguros. Os diálogos que compõe a história materializam uma realidade não tão fictícia de jovens que precisam aprender depressa a “lidar com os conflitos familiares, pessoais, relacionamentos e alerta, inclusive, para as tentadoras ‘oportunidades’ que são oferecidas e que se tornam verdadeiras armadilhas. ” (DIAS, 2020, [s. p.]) (Grifos da autora).

Timidez, ingenuidade e simpatia são algumas das características das personagens juvenis de As matrioskas. Por outro lado, algumas destas qualidades são forjadas, encobrem a verdadeira intenção do mocinho que pode ser um vilão e pretende capturar uma presa fácil, assim é Jefter, jovem acima de qualquer suspeita. Rita ficou encantada ao conhecê-lo:  “ele era perfeito. Simpático, engraçado, costurava bonecas de feltro ” (DIAS, 2020, p. 26). A história tem inspiração no cotidiano e retrata situações da vida real de jovens que convivem com relações abusivas.

  O contraste entre letra branca e página escura destaca uma cena: “Tinha alguma coisa muito errada ali. – O que está acontecendo? – Rita largou a mochila no chão e foi em direção ao namorado.  – Você está bêbado? – Que patética você é, Ritinha, você acha que vou ficar bêbado tomando isso aqui? [...]” (DIAS, 2020, p. 17). O fragmento narrativo dá início a história de personagens que parecem muito comuns. Rita de Cássia, com seu fone de ouvido, gosta de ouvir músicas dos anos 80 e 90, “Patience de Guns N’ Roses é uma delas, ela trabalha, estuda e tem uma melhor amiga chamada Malu, ou melhor Maria de Lurdes [... ,] começou a namorar Beto, que não era o namorado mais carinhoso do mundo” (p.18-19) . As duas amigas estão em sala de aula, vão fazer uma prova quando alguém bate na porta e anuncia: “ – Com licença professora. Temos um aluno novo para essa turma, pessoal, este é o Jefter. ” (p.22).

 Na turma de Rita e Malu chega mais um aluno, o Marcus, um moço de cabelos pretos e curtos, que chega escondendo a cabeça no capuz do moletom, usando bermuda larga até o joelho com bolsos nas laterais e tênis, como aqueles dos esqueitistas. Na turma de Beto estuda a Deborah. Uma garota descolada que gostava de festas, bebia muito e não gostava de respeitar as regras.  O tempo vivido pelas personagens estudantes coincide com a descobertas do amor, da sexualidade, do desejo de reconhecimento, poder e independência. 

A história se passa em diferentes cenários, a escola é um dos principais. Tem como fio condutor um dos temas de maior relevância para a juventude: o perigo do envolvimento com as drogas que está à espreita dos jovens. A narrativa é apresentada em três unidades, subdivididas em 41subcapítulos. A primeira parte é dedicada à protagonista, uma estudante do terceiro ano do ensino médio, que perde o pai repentinamente e vê sua vida mudar drasticamente, “Rita assumiu a tarefa de sustentar a casa”. (p.18). Ela conseguiu emprego, passou a estudar a noite, “estava sempre cansada e nem se animava a participar das aulas de educação física. Ganhou uns quilinhos. [...] Sem disposição para discutir, brigar, terminar, ficar sozinha, conhecer outra pessoa e começar tudo de novo, preferiu continuar namorando Beto” (p.19). Até a aproximação sedutora do novo colega. Nesta saga, Rita e Jefter vão formar um novo e invejável par romântico. Malu deseja que a amiga esqueça Beto e se aproxime de Jefter, quer vê-los juntos. “Um casal lindo. Aquele casal de baile de formatura de filme americano” (p. 30). Ao longo da narrativa, outras personagens vão aparecer e revelar segredos, acontecem algumas reviravoltas quebrando com o horizonte de expectativa do leitor, nem tudo é o que parece.

O namoro de Jefter e Rita vai trilhar um caminho diferente daquele esperado por ela. A segunda parte da história vai colocar o leitor no papel de detetive, comprovar algumas suspeitas, surpreender-se com outras revelações. O clímax se aproxima. Novos personagens entram em ação e se envolvem em situações muito perigosas nas quais tudo acontece muito rápido. Enquanto Rita esperava para entregar uma encomenda vê “um carro entrando na rua em alta velocidade, cantando pneus, freando, a porta de traz se abrindo [...]” (p. 68). Ela é levada contra sua vontade.

 O desfecho se desenrola ao longo da terceira parte. “ – Eu sabia! – Ele ria e batia palmas. Os olhos de Rita iam de Jefter para o motoqueiro. Estava perplexa, não entendia o que estava acontecendo. O que era aquilo? Jefter tinha um comparsa? Ou era um inimigo? ” (p.115). Com um acabamento gráfico de qualidade e uma narrativa com final surpreendente e a ser descoberto pelo leitor o livro As matrioskas pode ser lido por jovens de todas as idades. Os diálogos compõem uma história cheia de segredos, disfarces e ação, se aproximam do conto policial sem tirar os pés dos contos de princesas sonhadoras. As conversas cotidianas entremeadas pela interface da linguagem abreviada, veloz e potente das mídias sociais trazem leveza para a narrativa. A autora convida seu leitor a se divertir e o instiga a “salvar” seus protagonistas dos perigos que rondam a juventude. 

REFERÊNCIAS

CENTODUCATTE. Reinado. Literatura e universidade. In: DIAS, Cristiane. As matrioskas. Vitória, ES: EDUFES, 2020. p.6-7.

DIAS, Cristiane. As matrioskas. Vitória, ES: EDUFES, 2020.

DIAS, Cristiane. As matrioskas. Vitória, ES: EDUFES, 2020a. Disponível em: https://sites.google.com/view/profcristianedias/p%C3%A1gina-inicial/lan%C3%A7amento-de-livros. Acesso em: 28 mai. 2020.

SALGUEIRO, Wilbert. Literatura e resistência. In: DIAS, Cristiane. As matrioskas. Vitória, ES: EDUFES, 2020.p.8-11.

SIGNIFICADOS, Arte e Cultura. Significado de Matrioska. 18/ 03/2020. Disponível em:

https://www.significados.com.br/matrioska/. Acesso em 23 mai. 2020.


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