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O Enigma de Emanuelle?
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RESENHA

Por Lauro Junkes
Doutor em Teoria da Literatura (PUCRS)
Professor Titular da UFSC, tendo atuado no Curso de Letras e no Programa de Pós-Graduação em Literatura, até 2010, quando do seu falecimento.

Costumava insistir o renomado romancista americano William Fualkner que uma obra de arte literária resulta de 10% de talento e 90% de transpiração, de empenhado esforço. E não se interpõem limites de idade, mesmo porque fator relevante na determinação da idade é a mente, não apenas a debilitação das células orgânicas.

Liene Collaço Paulo pode confirma-lo ao vivo. O transcuro dos anos locupletou-a de experiência de vida, aguçou a sensibilidade perceptiva, deslindou as sendas do imaginário. Não se deixou induzir por apressamentos no desabrochar da arte escriturística. Integrada harmoniosamente no processo existencial, consagrou ao lar, marido e filhos o melhor das suas energias, obtendo como resultado o brilho fulgurante nas carreiras dos familiares. Mais serenada nas lides domésticas, iniciou a composição de textos ficcionais, que não tardaram em arrebatar distinções em concursos literários. Consequência lógica foram os livros, enfeixando conjuntos de contos. E a instigante ambição intelectual, desafiando quaisquer possíveis barreiras, acaba de evoluir vigorosa investida no romance: O Enigma de Emanuelle (Florianópolis: Editora Insular, 2005). 

  Situando-se no imaginário espaço geográfico da emblemática Lealdade, a narrativa se concentra na família de Ezequiel e Emerganda, cuja filha Emanuelle, namora Regildo, moço sempre ativo, preocupado com o trabalho, sem maior tempo disponível para depender com  a namorada/noiva, a não ser o do almoço e do jantar na casa dos futuros sogros. Em torno desse singelo entrecho arma-se a trama de O Enigma de Emanuelle.

Entretanto, desde as primeiras páginas, assinala-se a presença de um grupo de ciganos, que se prestará a desdobramentos múltiplos: a problemática de serem considerados ladrões e enganadores – “roubam crianças e mulheres”, conduzindo à discriminação racial, a ardilosa leitura da sorte que praticam, o fáscionio que exercem sobre as pessoas... A autora, sem polêmica ostentação, conduz o pensamento reflexivo sobre o assunto: por que estabelecer diferenciação entre o cidadão comum e os ciganos? Qual a razão ou o fundamento da desconfiança em relação a eles? Seríamos nós, brancos e civilizados, melhores do que eles?  Desvela-se, dessa forma, salutar dimensão social da narrativa.

  E, de fato, será decisiva a interação de Emanuelle com os ciaganos, sempre aliada à prima Dalvinha. No primeiro encontro, decidem consultar a “sorte”,  de que resulta um suspensa instigante até o final: o que teria anunciado a cigana à Emanuelle, a ponto de marca-la no indevassável silêncio? Com essa cena, a autora cria uma personagem de pouca presença, porém de decisiva função: a cigana Dorah, discreta, distante, silenciosa, porém ponto fulcral na trama. A versatilidade musical dos ciganos vem personificada por Ludo, igualmente discreto mas eficiente, no inesperado.

  A partir, sobretudo, desses crescentes contatos com os ciganos, armam-se sutilmente, questionamentos significativos: de que ordem são as razões do coração? Pode a razão governar o coração? Como agem as forças ocultas para remodelar mentes e corações? Qual o magnetismo oculto que faz Emanuelle atrair olhares, interesses, paixões, rodeando-se de mistérios e indecisões? A romancista revela refinada sutileza ao retratar palavras e ações das personagens, sobretudo de Emanuelle e de Regildo, nessas convergências divergentes que mantêm expectativa de contínuo suspense, de instigante inquietação.

No manejo desse universo restrito, por vezes os caminhos das narrativas se aproximam de ardilosas coincidências que desafiam a verossimilhança; porém a habilidade em forjar o caráter de cada personagem contorna com segurança o problema. Estruturam-se as sequências num fluxo narrativo de proporções harmonizantes, que logram instigar e plenificar, armando sempre novos incitamentos subsequentes aos estágios de distensão.

  Trata-se de uma narrativa rigorosamente retilínea, cronológica, que avança sem retroceder. Emanuelle e Regildo, nos casos mais patentes, embora não menos Dorah e Ludo, configuram-se como caracteres dinâmicos, reservando margens intransitáveis de reserva e de surpresa, de reações imprevisíveis, sem nunca esgotarem suas dimensões interiores. A mão feminina revela-se perspicaz na condução do ritmo conveniente à dosagem das graduações apropriadas ao fluir dos caminhos da leitura. Quem deslinda O Enigma de Emanuelle?

JUNKES, Terezinha Kuhn (Org.).  A literatura infantojuvenil catarinense na perspectiva de Lauro Junkes. Florianópolis: Copiart, 2012. p. 119-122.


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