Por Lauro Junkes
Doutor em Teoria da Literatura (PUCRS)
Professor Titular da UFSC, tendo atuado no Curso de Letras e no Programa de Pós-Graduação em Literatura, até 2010, quando do seu falecimento.
Xiii!... Roubaram um Pedaço da Lua chegou à segunda edição em 1985, impresso na Litoarte Marin, de Frederico Westphalen/RS. Em edição simples e popular, sem sofisticação de cores e ilustrações familiares, ostenta na capa os dizeres; PARA LER PINTAR DESENHAR E INVENTAR, convidando desde logo à participação.
A narrativa desdobra com salutar imaginação um possÃvel mito indÃgena, tendo como personagens esses primitivos e amigos habitantes das nossas terras. Desde o inÃcio, a situação vem delineada com pinceladas poéticas. Em uma aldeia indÃgena, os meninos-Ãndios admiram a Lua, que “guardava em seu brilho muitos e muitos segredosâ€. Nas suas singelas brincadeiras, inventam uma peteca “com palhas de milho e penas do rabo de arraiaâ€, para jogar no claro da Lua, que “olhava sorrindo lá do altoâ€. Todos os elementos pertencem, portanto, ao universo natural de qualquer menino do campo, sem sofisticações estranhas. Essa aldeia situava-se ao lado das águas lÃmpidas de um rio e “o som das águas da cascata se misturava com a suave melodia de flauta de bambu da Doda - uma Ãndia-moça bem formosa de corpo e de almaâ€. De noite, com sua flauta encantada, Doda, transmitia a todos os sonhos de paz. A introdução se reveste de elementos poéticos, harmoniosos, de pura e atrativa realidade.
Exige-se, porém, a intervenção de pontos conflituosos para tornar atrativo o relato. Novamente, a partir do fato natural e concreto, a imaginação cria como que o inusitado. Uma noite, algo perturba o estado de paz do lugar: Leleca descobriu que “faltava um pedaço da Lua†e, juntando-se a Doda, vão contar aos adultos: “Xiii...Roubaram um pedaço da Luaâ€. E no alvoroço – “quem foi?†– não mais dormiram. Em reação natural, o conselho da Tribo reúne os mais valentes guerreiros e os envia à cata do ladrão. Assim a ingenuidade poética visão infantil se encaixa na mentalidade primitiva do indÃgena – que, com seus mitos, busca explicar o inexplicável (cientificamente) para eles.
A expedição guerreira descobre outras estranhezas – muito convenientemente observadas, a partir da ótica natural do indÃgena: a natureza reduzida a deserto. E, deparando-se com enorme escada erguida, a conclusão reluz: “alguém cortara as árvores e fizera a escada para roubar a Luaâ€. Nada de inverossÃmil, nas perspectivas da criança ou do bruto (mas não tão bruto como tantos civilizados!) indÃgena. Entretanto, em um luxuoso castelo quem encontram, alguém explica a partir de outra ótica: “Foi o EclÃpse!â€
Na dubiedade da situação, gerada pelo alcance das perspectivas em jogo, infiltra-se sutilmente o jogo das fases da lua, pois, “durante sete noites não apareceu nadinha†da lua (no seu esvaziamento em fase de nova).
Aqueles foram “tempos difÃceis†na aldeia, encontrando-se perturbadas as atividades normais das crianças, namorados, velhos e poetas, “porque a Lua não iluminava...a noite...os caminhos... as lembranças... a imaginaçãoâ€. As possÃveis inverossimilhanças ao brutal e pragmático olhar do adulto se revestem de ingenuamente pura poeticidade para as almas simples!
Quando os guerreiros retornam à aldeia, explicando o que descobriram, “eles ficaram revoltados e queriam ir à procura do eclipse para mata-loâ€. Notório se manifesta o jogo de palavras com que o autor revoluciona a realidade. Esse Eclipse é mesmo um malvado! Então, quando Doda tocou sua flauta e, da sua melodia suave, fez brotar a vida para, desta, sair um sábio, este explicou – ainda na perspectiva de universo do indÃgena, que se sobrepõe harmoniosamente ao da criança – o reprovável procedimento do Eclipse. A explicação, na sua astuciosa concepção, merece ser lida na integra, buscando o texto. Contrapondo-se à naturalidade do indÃgena, avulta a danosa ganância do “civilizado†Eclipse. E da vingança deste, pela decepção sofrida, decorre o castigo sofrido, vendo-se obrigado a viver.
Referências
JUNKES, Terezinha Kuhn (Org.). A literatura infantojuvenil catarinense na perspectiva de Lauro Junkes. Florianópolis: Copiart, 2012. p. 41-48.
NETO, Augusto Alberto. Xiii!... Roubaram um Pedaço da Lua. 2 ed. Frederiro Westphalen: Litoarte Marin, 1985.
AUTORES
- Augusto Alberto Neto (Escritor)